24 de setembro de 2009

Tônio Kroeger

"Nesta noite levou consigo sua imagem, com a loura e grossa trança, com os olhos azuis, oblíquos e risonhos, com um selim de sardas, delicadamente marcado, sobre o nariz, e não conseguiu dormir porque ouvia o som de sua voz, tentava baixinho imitar a entonação com a qual pronunciava a palavra e ao fazê-lo sentia-se arrepiar. A experiência fê-lo saber que era o amor, apesar de ter certeza que o amor deveria trazer-lhe muita dor, tormentos e humilhações, e que além disso destruía a paz e deixava o coração transbordar com melodias sem que se encontrasse sossego para dar forma a alguma coisa e tranqüilamente forjar uma peça inteiriça. Assim mesmo aceitava-o, entregava-se completamente e zelava por ele com as forças de sua alma, pois sabia que o amor enriquecia e dava vida e ele ansiava por ser rico e vivo em vez de na tranqüilidade forjar algo concreto..."

MANN, Thomas. Tônio Kroeger, Alemanha, 1903.

14 de setembro de 2009

Os Buddenbrook

"A consulesa, apoiada em várias almofadas, encontrava-se de costas. As mãos, essas belas mãos, entremeadas por veias de um azul pálido, e que agora pareciam tão magras, definhadas por completo, acariciavam a colcha, incessante e apressadamente, numa precipitação trêmula. A cabeça, coberta por uma touca branca, virava-se sem interrupção, em horripilante ritmo pendular. A boca, cujos lábios pareciam ser puxados para dentro, abria-se e fechava-se bruscamente, a cada uma das penosas tentativas de respiração. Os olhos encovados vagavam em busca de socorro, para, de quando em vez, se fitarem com expressão comovente de inveja numa das pessoas presentes que estavam vestidas e podiam respirar, que pertenciam à vida e que nada mais sabiam senão fazer o sacrifício amoroso de manter o olhar cravado nesse quadro. E a noite avançava sem que houvesse uma alteração."

MANN, Thomas, 1875-1956. Os Buddenbrook (Decadência Duma Família), Alemanha, 1901.