20 de março de 2011

Todos os Fogos o Fogo

"Atrás, o Volkswagen, o Caravelle, o 203 e o Floride arrancavam, por sua vez, lentamente, um trecho em primeira, depois segunda, interminavelmente segunda mas já sem embrear, como tantas vezes, com o pé firme no acelerador, esperando poder passar para a terceira. Esticando o braço esquerdo o 404 procurou a mão de Dauphine, encostou apenas a ponta dos dedos, percebeu em seu rosto um sorriso de incrédula esperança e pensou que iam chegar a Paris, que tomariam banho, que iriam juntos a qualquer parte, à sua casa ou à dela para tomar banho, comer, tomar banho interminavelmente e comer e beber, e que depois haveria móveis, haveria um quarto com móveis e um banheiro com espuma de sabão para fazer a barba de verdade, e privadas, comida e privada e lençóis, Paris era uma privada e dois lençóis e água quente escorrendo no peito e nas pernas, e uma tesourinha de unhas, e vinho branco, beberiam vinho branco antes de se beijar e sentir cheiro de lavanda e colônia, antes de se conhecer de fato em plena luz entre lençóis limpos, e tornar a tomar banho de brincadeira, amar-se e tomar banho e beber e entrar no cabelereiro, entrar no banho, acariciar os lençóis, e acariciar-se entre os lençóis e amar-se entre a espuma e a lavanda e as escovas antes de começar a pensar no que iam fazer, no filho e nos problemas e no futuro, e tudo isso desde que não parassem, que a coluna continuasse andando, embora ainda não se pudesse passar para a terceira, continuar assim em segunda, mas continuar".

CORTÁZAR, Julio, 1914-1984. Todos os Fogos o Fogo (Todos los Fuegos el Fuego)- conto "A Auto-Estrada do Sul", Argentina, 1966.