4 de julho de 2023

Estética da Criação Verbal

"Os três campos da cultura humana - a ciência, a arte e a vida - só adquirem unidade no indivíduo que os incorpora à sua própria unidade. Mas essa relação pode se tornar mecânica, externa. Lamentavelmente, é o que ocorre com maior frequência. O artista e o homem estão unificados em um indivíduo de forma ingênua, o mais das vezes mecânica: temporariamente o homem sai da "agitação do dia a dia" para a criação como para outro mundo "de inspiração, sons doces e orações". O que resulta daí? A arte é de uma presunção excessivamente atrevida, é patética demais, pois lhe cabe responder pela vida que, é claro, não lhe anda no encalço. "Sim, mas onde é que nós temos essa arte - diz a vida -, nós temos a prosa do dia a dia". (...) O sentido correto e não o falso de todas as questões antigas, relativas à inter-relação de arte e vida, à arte pura etc., é o seu verdadeiro patos apenas no sentido de que arte e vida desejam facilitar mutuamente sua tarefa, eximir-se da sua responsabilidade, pois é mais fácil criar sem responder pela vida e viver sem contar com a arte."

BAKHTIN, Mikhail. 1895-1975. Estética da Criação Verbal. 6a edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.