13 de outubro de 2010

Os Frutos da Terra

"...Com dezoito anos, terminados meus primeiros estudos, o espírito cansado de trabalho, o coração desocupado, definhado por isso, o corpo exasperado pelos constrangimentos, parti pelas estradas, sem meta, ao sabor de minha febre erradia. Conheci tudo o que sabeis: a primavera, o odor da terra, a floração das ervas nos campos, as brumas das manhãs sobre os rios, e o vapor da tarde nos prados. Atravessei cidades, e não quis parar em nenhum lugar. Feliz, pensava, quem não se prende a nada na terra e passeia um eterno fervor através das constantes mobilidades. Odiava os lares, as famílias, todos os lugares em que o homem pensa encontrar descanso; e as afeições contínuas, e as fidelidades amorosas, e o apego às idéias - tudo o que compromete a justiça; dizia que cada novidade deve encontrar-nos sempre diponíveis."

GIDE, André, 1869-1951. Os Frutos da Terra (Les Nourritures Terrestres), França, 1897.

2 de outubro de 2010

Os Moedeiros Falsos

"- O egoísmo também não. E é isso o que não sabe... Queriam nos fazer acreditar que não existe para o homem outra fuga do egoísmo além de um altruísmo ainda mais horrível! Quanto a mim, considero que, se há algo mais desprezível do que o homem, e mais abjeto, são muitos homens. Nenhum raciocínio poderia convencer-me de que a soma de unidades sórdidas possa dar um total delicado. Não entro num bonde ou num trem sem desejar um belo acidente que reduza a farinha todo aquele lixo vivo. Oh! Eu inclusive, é claro. Nem numa sala de espetáculos sem desejar a queda do lustre ou o estouro de uma bomba, e, como eu deveria explodir junto, de boa vontade a levaria debaixo do paletó, se não me reservasse coisa melhor. Dizia?..."

GIDE, André, 1869-1951. Os Moedeiros Falsos (Les Faux-Monnayeurs), França, 1925.