18 de agosto de 2009

Notas do Subsolo

"Em algumas ocasiões, era tão horrível para mim ir à repartição que eu chegava ao ponto de, muitas vezes, voltar doente do trabalho. Mas, de repente, sem mais nem menos, começava uma fase de ceticismo e indiferença (comigo tudo acontecia em fases), e eu mesmo começava a rir de minha intolerância e minhas aversões e censurava a mim mesmo pelo meu romantismo. Num determinado momento, não queria falar com ninguém; em outro, não só procurava conversa com alguém, como até mesmo decidia tornar-me seu amigo. De repente, sem mais nem menos, toda a aversão desaparecia. Quem sabe ela nunca tivesse existido realmente em mim, e fosse apenas pose tirada dos livros? Até agora não solucionei essa questão."

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Notas do Subsolo. Rússia, 1864.

5 de agosto de 2009

Esboço para uma Teoria das Emoções

"Essa 'assunção' de si que caracteriza a realidade humana implica uma compreensão da realidade humana por ela mesma, por obscura que seja esta compreensão. 'No ser desse existente, ele se relaciona ele próprio com seu ser.' É que, de fato, a compreensão não é uma qualidade vinda de fora à realidade humana, é sua própria maneira de existir. Assim, a realidade humana que é eu assume seu próprio ser ao compreendê-lo. Essa compreensão é a minha. Portanto, sou antes de qualquer coisa um ser que compreende mais ou menos obscuramente sua realidade de homem, o que significa que me faço homem ao compreender-me como tal. Posso então me interrogar e, sobre as bases dessa interrogação, levar a cabo uma análise da 'realidade-humana', que poderá servir de fundamento a uma antropologia. Aqui tampouco, naturalmente, não se trata de introspecção, primeiro porque a introspecção só depara com o fato, depois porque minha compreensão da realidade humana é obscura e inautêntica. Ela deve ser explicitada e corrigida. Em todo caso, a hermenêutica da existência vai poder fundar uma antropologia e essa antropologia servirá de base a toda psicologia. Assim estamos na situação inversa da dos psicólogos, uma vez que partimos dessa totalidade sintética que é o homem e estabelecemos a essência do homem antes de estrear em psicologia."

SARTRE, Jean-Paul. 1905-1980. Esboço para uma teoria das emoções / Jean-Paul Sartre; tradução de Paulo Neves. - Porto Alegre: L&PM, 2008.

2 de agosto de 2009

Trilogia Suja de Havana

"Esse era o meu problema e o meu desafio: aprender a viver e a desfrutar dentro de mim. E a questão não é simples: hindus, chineses, japoneses, todos os que têm culturas milenares, dedicam boa parte do seu tempo a desenvolver filosofias e técnicas de vida interior. Mesmo assim, todo ano se suicidam no mundo uns tantos milhares de pessoas, esmagadas por sua própria solidão. E não é que o sujeito escolha ficar sozinho. É que, pouco a pouco, vai-se ficando sozinho. E não há remédio. É preciso resistir. Chega-se a uma imensa planície deserta e não se sabe que porra fazer. Muitas vezes se pensa que o melhor é não pensar muito em si mesmo e na maldita solidão, que fica mais aguda quando se está isolado e em silêncio. Bom, pois é preciso entrar em ação. E a gente sai por aí. Em busca de um amigo ou de uma mulher que nos dê um pouco de sexo. Não sei."

GUTIERREZ, Pedro Juan. Trilogia Suja de Havana. Cuba, 1998.