23 de junho de 2016

Ecce Homo

"Uma outra mostra de inteligência e autodefesa consiste em reagir tão raramente quanto possível e em evitar lugares e condições nas quais se estaria condenado a suspender de imediato sua 'liberdade', sua iniciativa, para se tornar um simples reagente. Eu tomo a relação com os livros como parâmetro comparativo. O erudito, que no fundo apenas se limita a 'moer' livros - o filólogo de atividade mediana, cerca de duzentos por dia - ao fim das contas acaba perdendo por completo a capacidade de pensar por si mesmo. Quando ele não mói, ele não é capaz de pensar. Ele responde a um estímulo (um pensamento lido) quando ele pensa... ao fim e ao cabo ele apenas reage. O erudito gasta toda sua força em dizer sim e não, na crítica do já pensado - ele mesmo não pensa mais... O instinto de autodefesa tornou-se frouxo nele; pois se assim não fosse ele iria se precaver contra os livros. O erudito - um décadent... Isso eu vi com meus próprios olhos: naturezas talentosas, de tendência livre e fértil, 'lidas à ruína' já aos trinta anos, simples palitos de fósforo, que têm de ser friccionados para soltar faíscas - soltar 'pensamentos'... Ler um livro de manhã bem cedo, ao nascer do dia, em todo o frescor, na aurora de suas forças - isso eu chamo de vicioso!..."

NIETZSCHE, Friedrich, Ecce Homo - De Como a Gente Se Torna o Que É (Ecce Homo. Wie man wird, was man ist), Alemanha, 1908.