22 de junho de 2011

Angústia

"Que é que me podia acontecer? Ir para a cadeia, ser processado e condenado, perder o emprego, cumprir sentença. A vida na prisão não seria pior que a que eu tinha. Realmente as portas ali são pretas e sujas, as grades de ferro são pretas e sujas, os móveis são pretos e sujos. É o que me amedronta. Aquele bolor, aquele cheiro e aquela cor horríveis, aquela sombra que transforma as pessoas em sombras, os movimentos vagarosos de almas do outro mundo, apavoram-me. Não posso enconstar-me às grades pretas e nojentas. Lavo as mãos numa infinidade de vezes por dia, lavo as canetas antes de escrever, tenho horror às apresentações, aos cumprimentos, em que é necessário apertar a mão que não sei por onde andou, as mãos que meteu os dedos no nariz ou mexeu nas coxas de qualquer Marina. Preciso muita água e muito sabão. Viver por detrás daquelas grades, pisar no chão úmido, coberto de escarros, sangue, pus e lama, é terrível. Mas a vida que levo talvez seja pior. Não tinha medo da cadeia. Se me dessem água para lavar as mãos, acomodar-me-ia lá. Podia o resto do corpo ficar sujo, podiam os piolhos tomar conta da cabeça e as roupas esfrangalhadas cobrir mal a carne friorenta. Se me dessem água para lavar as mãos, estaria tudo muito bem. Dar-me-iam água para lavar as mãos?"

RAMOS, Graciliano, 1892-1952. Angústia, Brasil, 1936.