7 de janeiro de 2019

O Crime de Sylvestre Bonnard

"- Quantos livros! - exclamou. - E o senhor leu todos, senhor Bonnard?
- Pobre de mim, li! - respondi. - E é por isso que nada sei, porque não há um único desses livros que não desminta o outro, de modo que, quando os conhecemos todos, não se sabe o que pensar. Estou nessa situação, senhora."

ANATOLE FRANCE (Anatole François Thibault), "O crime de Sylvestre Bonnard" (Le Crime de Sylvestre Bonnard), França, 1881.

3 de janeiro de 2019

O Homem de Marte

"Ah! Ah! Que sorte! Que felicidade! Que alívio! Mas como pude duvidar do senhor? Um homem não seria inteligente se não acreditasse que os mundos são habitados. É preciso ser um tolo, um cretino, um idiota, um estúpido, para supor que os milhares de universos brilham e giram unicamente para divertir e maravilhar o homem, este inseto imbecil, para não compreender que a Terra é apenas uma poeira invisível na poeira dos mundos, que o nosso sistema não passa de algumas moléculas de vida sideral que morrerão em breve. Veja a Via Láctea, esse rio de estrelas, e pense que é apenas uma mancha na extensão que é o infinito. Pense nisso somente por dez minutos e compreenderá por que não sabemos nada, não deciframos nada, nem compreendemos nada. Só conhecemos um ponto, não sabemos nada para além dele, nada fora ele, nada de parte alguma, e acreditamos, e afirmamos. Ah! ah! ah! Se de repente nos fosse revelado esse grande segredo da vida extraterrestre, que assombro! Mas não... Mas não... sou um estúpido também, não o compreenderíamos, porque o nosso espírito só foi feito para compreender as coisas dessa Terra: ele não pode ir mais longe, é limitado, como a nossa vida, preso a esta pequena bola que nos transporta, e julga tudo por comparação. Veja, portanto, como todo mundo é tolo, limitado e convencido do poder da nossa inteligência que mal ultrapassa o instinto dos animais. Não temos nem mesmo a faculdade de perceber a nossa imperfeição, somos feitos para saber o preço da manteiga e do trigo e, no máximo, para discutir sobre o valor de dois cavalos, de dois barcos, de dois ministros ou de dois artistas.
É tudo. Somos aptos apenas para cultivar a terra e nos servir desajeitadamente do que existe sobre ela. Mal começamos a construir máquinas que andam, ficamos admirados como crianças a cada descoberta que deveríamos ter feito há séculos, se fôssemos seres superiores. Ainda estamos cercados pelo desconhecido, mesmo neste momento em que foram necessários milhares de anos de vida inteligente para entrever a eletricidade. Somos da mesma opinião?"

GUY DE MAUPASSANT, Henri-René-Albert, conto "O Homem de Marte" (L'Homme de Mars), França, publicado em 1889.