1 de agosto de 2014

Batendo à porta do céu

"Entre as muitas razões pelas quais escolhi entrar para a física estava o desejo de fazer alguma coisa que pudesse ter impacto permanente. Se eu iria investir tanto tempo, energia e comprometimento, queria que fosse em nome de algo com uma bandeira de longevidade e verdade. Como a maioria das pessoas, eu pensava sobre avanços científicos como ideias que resistiam ao teste do tempo. Minha amiga Anna Christina Büchmann estudou inglês na faculdade enquanto eu me formava em física. Ironicamente, ela estudou literatura pela mesma razão que me deixei levar pela matemática e pela ciência. Ela amava o modo como uma história inspirada se conservava por séculos. Quando, muitos anos depois, discutimos o romance Tom Jones, de Henry Fielding, descobri que a edição que eu tinha lido e apreciado tanto era aquela para a qual ela ajudara a produzir notas quando estava na pós-graduação. Tom Jones foi publicado 250 anos atrás, mas seus temas e sua sagacidade ressoam até hoje. Durante minha primeira visita ao Japão, li o muito mais antigo Genji Monogatari [Conto de Genji] e fiquei maravilhada com a atualidade de seus personagens também, apesar dos mil anos que se passaram desde que Murasaki Shikibu escreveu sobre eles. Homero criara a Odisseia cerca de 2 mil anos antes. E, a despeito de sua idade e de seu contexto tão diferentes, continuamos a saborear o conto da jornada de Odisseu e suas descrições atemporais sobre a natureza humana. Cientistas quase nunca leem textos científicos velhos — muito menos os antigos. Em geral, deixamos isso para historiadores e críticos literários. Não obstante, aplicamos o conhecimento que foi adquirido ao longo do tempo, tenha ele vindo de Newton no século XVII ou de Copérnico mais de cem anos antes. Podemos negligenciar os livros, mas temos cuidado em preservar as ideias importantes que eles podem conter."

RANDALL, LISA. Batendo à porta do céu: O bóson de Higgs e como a física moderna ilumina o universo / Lisa Randall ; tradução Rafael Garcia. - 1. ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2013.