21 de fevereiro de 2011

Cem Anos de Solidão

"Impassível, sem se preocupar sequer em demostrar a sua recente coragem, escutou as intermináveis culpas da acusação. Pensava em Úrsula, que a essa hora devia estar debaixo do castanheiro tomando chá com José Arcadio Buendía. Pensava na sua filha de oito meses, que ainda não tinha nome, e no que ia nascer em agosto. Pensava em Santa Sofia de la Piedad, a quem na noite anterior deixara salgando um veado para o almoço de sábado, e sentiu saudade do seu cabelo caído nos ombros e das suas pestanas que pareciam artificias. Pensava na sua gente, sem sentimentalismos, num severo ajuste de contas com a vida, começando a compreender quanto amava na realidade as pessoas que mais odiara. O presidente do Conselho de Guerra iniciou o seu discurso final, antes que Arcadio se desse conta de que haviam transcorrido duas horas. 'Ainda que as culpas comprovadas não apresentassem méritos mais que suficientes', dizia o presidente, 'a temeridade irresponsável e criminosa com que o acusado empurrou os seus subordinados para uma morte inútil bastaria para fazê-lo merecer a pena máxima'. Na escola arrebentada onde experimentou pela primeira vez a segurança de poder, a poucos metros do quarto onde conheceu a incerteza do amor, Arcadio achou ridículo o formalismo da morte. Realmente não se importava com a morte, e sim com a vida, por isso a sensação que experimentou quando pronunciaram a sentença não foi uma sensação de medo, mas de nostalgia. Não falou enquanto não lhe perguntaram qual era a sua última vontade".

GARCIA MÁRQUEZ, Gabriel, 1927-. Cem Anos de Solidão (Cien Años de Soledad), Colômbia, 1967.