6 de janeiro de 2011

Ficções

"Os metafísicos de Tlön não buscam a verdade nem sequer a verossimilhança: buscam o assombro. Julgam que a metafísica é um ramo da literatura fantástica. Sabem que um sistema não é outra coisa que a subordinação de todos os aspectos do universo a qualquer um deles. Até a frase 'todos os aspectos' é inaceitável porque supõe a impossível adição do instante presente e dos pretéritos. Também é lícito o plural 'os pretéritos', porque supõe outra operação impossível... Uma das escolas de Tlön chega a negar o tempo: argumenta que o presente é indefinido, que o futuro não tem realidade senão como esperança presente, que o passado não tem realidade senão como lembrança presente. Outra escola declara que já transcorreu todo o tempo e que nossa vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável. Outra, que a história do universo - e nela nossas vidas e o pormenor mais tênue de nossas vidas - é a escritura que produz um deus subalterno para entender-se com um demônio. Outra, que o universo é comparável a essas criptografias nas quais não valem todos os símbolos e que só é verdade o que sucede cada trezentas noites. Outra, que enquanto dormimos aqui, estamos despertos em outro lado e que assim cada homem é dois homens."

BORGES, Jorge Luis, 1899-1986. Ficções (Ficciones) - Conto "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius", Argentina, 1944.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o Blog, Nota 10... Parabéns