14 de setembro de 2010

O Renegado

"-Em muitas coisas -disse ela. - Admirando essas flores, que parecem feitas para nós, eu perguntava para mim mesma para quem nós somos feitos, nós; quais são os seres que nos interessam. Vós sois meu pai, posso dizer-vos o que em mim se passa; vós sois hábil, posso explicar-vos tudo. Sinto em mim como que uma força que necessita exercer-se, luto contra qualquer coisa. Quando o tempo está cinzento, estou meio contente, sinto-me triste, mas tranqüila. Quando está bonito, quando as flores cheiram bem, quando estou além, sentada no meu banco sob as madressilvas e os jasmins, elevam-se em mim vagas a quebrar-se contra minha imobilidade. Vêm-me ao espírito idéias, que me ferem e somem semelhante aos pássaros que, à tarde, passam pelas nossas janelas e não consigo retê-las. Quando faço um ramalhete em que as cores são bem combinadas como num bordado, em que o vermelho morde o branco, em que o verde e o marrom se cruzam, quando tudo nele se confunde, que o ar brinca entre essas flores, misturam-se os perfumes dos cálices, sinto-me feliz, reconhecendo o que em mim se passa. Quando, na igreja, o órgão toca e os meninos respondem, dois cantos distintos falam; as vozes humanas e a música. Nesse instante, sinto-me contente, pois essa harmonia ecoa no meu coração, rezo com um prazer que me anima o sangue..."

BALZAC, Honoré de, 1799-1850. O Renegado (L'Enfant Maudit), França, publicado em dez partes de 1831 a 1836, e, pela primeira vez em um único volume, a 1837.

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