11 de julho de 2009

Como Vivem Os Mortos

"Sempre tive talento para a histeria, para ultrapassar a negra borda de um humor, mas esta negra borda é tão maior. É um Niágara, sugando para dentro dela toda a água da minha vida. Sinto-me como deve se sentir a vítima de um ataque cardíaco - metade de meu mundo se foi. Metade daquela jarra plástica de água; metade daquela caixa de Kleenex; metade já meio comida daquela porra daquele bolo Battenberg que a tarada da minha filha me trouxe ontem à tarde; metade daquele lenço de papel amassado; daquele lápis Staedtler HB; daquele grão de poeira. Pela primeira vez na minha vida posso sentir, inteira e incontrovertidamente, o que é não ser eu. Como é ser eu me sentindo não eu. É tão solitário. Tão fodidamente solitário. Quem haveria de pensar que eu, que levei uma vida que conheceu tanta solidão, tenha agora de encarar a solidão da morte? Sou soluçada por ataques. Ah, meu eu - por que me abandonaste?"

SELF, Will. Como vivem os mortos / Will Self; tradução de José Rubens Siqueira. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2005.

Um comentário:

Bury disse...

Legal isso aí, hein? Não conhecia!