22 de setembro de 2019

Os Desvalidos

"A partir dessa descaída, ocioso e judiado, enquanto aturava a espera de alguma oportunidade pra se botar a um novo ramo, Coriolano se dana a ler as brochuras de histórias em prosa e verso, que apenas folheadas e paparicadas, há anos o aguardavam , amontoadas em poeira, uma vez que a consumição da química lhe engolira todo o tempo disponível. E como levou mais de ano sem arrumar uma triste colocação, leu com tal afinco e tal prazer que amoleceu as preocupações, enfiado no seu cancioneiro de tão boa gente. Ainda hoje soletra de memõria quase toda A vida de Cancão de Fogo e seu testamento, e Os doze pares de França. E se leitura enchesse barriga, palavra que ele continuaria galopando dentro desses franzinos compêndios sem parar, gastando assim a vontade que o toma desde os tempos em que conheceu o tio Filipe, de falinha de azougue e natureza velada. Mas chamado por um negócio vantajoso, desses raríssimos acasos que só se topa uma vez em toda a vida, Coriolano fecha a livralhada, que é muito difícil conciliar leitura com algum trabalho duro que se converte em dinheiro, e se volta a montar um fabrico de bombom de mel de abelha, facilitado pelos cachos e ramadas de flores que cobriam as matas da redondeza, onde os ocos dos paus se lascavam transbordados, lambuzando os grossos troncos a canadas de bom mel. De forma que a coisa já nasceu de vento em popa!"

DANTAS, FRANCISCO J. C. Os Desvalidos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. Formato: ePub, posição 305.

Nenhum comentário: