"No princípio, vocês se lembram dos estudos de História do Brasil, era aquele negócio das especiarias. Ainda não existíamos mas os navios lusitanos já cortavam os mares no caminho do Oriente, em direção às Índias, em busca de noz de cola, noz vômica, noz moscada. Numa dessas idas e vindas aconteceu aquela das calmarias – é o que eles contam – e fomos descobertos. Por acaso. Tropeçaram em nós.
Descobertos por povo marítimo e povo marítimo nós mesmos (sempre tivemos as costas largas), era natural que a medida marítima, o nó náutico, nos fosse tão importante. Como, daí em diante, foram importantíssimos para nós os nós da madeira do pau-brasil que exportávamos com um nó na garganta (sabendo já que exportávamos ecologia), ameaçados pelo nó da forca portuguesa.
E fomos nos civilizando: nossos índios aprenderam a dar nó no sapato e na gravata e quando sentiam nó nas tripas já não se tratavam com os nós das cobras. Ficaram supersticiosos, batendo com os nós dos dedos (toc! toc!), e, catequizados pelos padres, acabaram aderindo ao nó matrimonial católico.
Tinha que dar nisso – somos, hoje, um povo cheio de nós pelas costas. Desafiados pelo nó do enredo, o nó da questão, nossos líderes acabaram transformando o nó corredio num nó cego que ninguém desata. E, agora, esperamos em vão nosso Alexandre, aquele que terá coragem bastante de meter a espada nesse nó górdio.
O resultado? Uma incrível corrupção, um tremendo “venha a nós”. Quem paga por tudo isso? Nós outros.
Tem razão o slogan: é um país feito por nós."
FERNANDES, Millôr. 1923-2012. Que País É Este? São Paulo: Círculo do Livro SA, 1978, p. 12.
Nota: este post é uma homenagem ao autor. Descanse em paz, Millôr Fernandes - suas crônicas me ajudaram a entender melhor meu próprio povo.
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